ARTIGOS LITERÁRIOS
Minha Estrela

Amor que se fez em Luz

Os olhos dela nem eram tão negros assim, mas eram de um brilho intenso e de profundidade infinita que pareciam dois universos. Eu sei que ela não me via, mas como parte do cenário eu me misturava nas cores da arquibancada e recebia dela as passagens rápidas, os gestos certeiros, as comemorações de cada ponto marcado. Às vezes ela olhava lá naquela direção, mas acho que era apenas por um momento, só para recuperar o foco. Depois, ela voltava a correr, saltar, arremessar e fazia do handebol o esporte mais lindo que já tinha conhecido.

Eu tinha apenas 14 anos quando fui levada pela primeira vez para assistir ao treino dela (a melhor jogadora de handebol de juiz de Fora – dizia minha técnica). Dela sabíamos o número: 8! O sinal do infinito estampado na camisa usada por aquela atleta que treinava sozinha, tinha habilidades excepcionais com a bola, era marrenta mas não jogava sujo. Ela tinha ética, não machucava ninguém, saltava entre as pessoas, fazia seu jogo e se dava bem. Ela jogava com alma, apesar do corpo forte ajudar muito. Tudo isso era o que ouvíamos e era tudo o que queríamos ser em quadra.

Me lembro daquela manhã de sol ser o dia-do-enche-coração! Coisa de menina adolescente, que vai apreciar o que mais gosta de fazer. Encontrei meu time na praça, tomamos o ônibus, subimos um morro enorme e lá estávamos para assistir o treino dela. Expectativa… um frio estranho no estômago, mãos muito geladas… lá fui então, sentar na arquibancada. Lá estava ela, sem time, sem bola… correndo, treinando… se desafiando. Lá estava a moça de cabelos negros, cacheados e amarrados assim num rabo de cavalo, com alguns cachinhos sobre os olhos. Chegam o time, as bolas, a técnica e ela ouve… brinca… mas joga a sério. Ela corre, salta arremessa e quase entra gol adentro. Ela comemora, ri e nos diz com as mãos a cada gol, que ela joga mesmo de corpo e alma.

Acaba o jogo-treino, e elas se vão. Ela fica um pouco mais, olha em volta, acena um tchau e também se vai. Algo aperta meu peito, uma angústia, um nó… coisa estranha mesmo… mas sigo em frente e corro para pegar o passo do meu time; perco minha bolsa… ouço em tom de brincadeira: perdeu alguma coisa? Nossa! Era Ela! Ela com a minha bolsa! Foi a primeira vez que percebi os dois universos ali me olhando. Gelei,  nada disse e corri. Mas nunca mais esqueci.

Anos se passaram comigo, ela, o handebol e minha admiração. Escolhi Educação Física como carreira profissional, e nem imaginei que ali a encontraria. Eu estava começando a aventura universitária e Ela já estava dando aulas. Todavia, Ela aparecia no Campus, ela jogava l e eu só admirava. Nos destinos daquela vida, encontramos os mesmos parceiros e a partir deles viramos amigas. Ela me ajudou a gostar de anatomia, de poesia, mas do meu amor, ela não sabia.

Até tentei levar-lhe flores e um livro do Pessoa, para declarar enfim, o sentimento que guardava desde que seus universos se esbarraram nos meus. Mas a ética, que tanto admirávamos impediu tal momento. E por vários relacionamentos, nunca fui capaz de dizer. Depois, Ela foi à Europa e eu fui para Campinas, Ela escolheu ser médica e eu voltei para a Universidade para ensinar. Numa dessas eu A vi. Havia trazido para Ela algumas novidades… para as suas aulas. Ela foi à minha casa, se sentou muito perto. Ela vestia branco, os cabelos continuavam cacheados e longos, com cachinhos a brincar nos olhos negros brilhantes. Quando ela se foi, chorei aquele sentimento estranho da primeira vez. Só que agora sabia que era uma saudade do que nunca havia vivido com ela: meu primeiro amor. Realizamos sonhos, construímos carreiras em separadas cidades, estados e países.

Muitos anos se passaram sem que nos víssemos, mas minha busca por ela sempre fez parte da minha vida. Talvez nunca a tenha procurado pelo medo de dizer tchau, medo daquele sentimento estranho. Soube dos seus empreendimentos, dos seus sonhos, de suas realizações, de suas decepções. Soube que Ela cuidou do meu pai,  mas nunca tive coragem de pessoalmente dizer muito obrigada. Eu a procurava onde não havia perigo de encontrá-la…

Numa destas buscas, eu A encontrei novamente, virtualmente, sem portanto, a ameaça do adeus. Relembramos poesias, tive insônias e me preparei para vê-la. Nosso reencontro reacendeu a Luz de antes com uma força que não se conteve. Desta vez, Ela ouviu sobre o meu amor. Se admirou, não acreditou, mas se interessou. Naquela noite, quando ela me deixou para seguir seu caminho, me deu a certeza que nos veríamos na manhã seguinte. Mas eu não queria dizer tchau, eu não queria ir embora. Com ela deixei minha estrela de David, para que a protegesse até a manhã seguinte ou até quando fosse necessário. Dali em diante eu seguiria a estrela, até encontrar os universos Dela novamente. Mas naquela noite chorei lágrimas de um passado distante, saudade infinita e uma vontade imensa de passar a vida inteira ao lado dela.

Na manha seguinte eu a vi, passamos horas do dia juntas, comemos, brincamos e depois do beijo, do convívio, por vezes dizemos tchau –por apenas mais alguns dias e uma dor tão profunda que ao mesmo tempo traz a certeza que nunca nos separamos.

Hoje Ela é minha parceira, minha companheira, o-amor-do-amor-de-todos-os-amores. Vivo com Ela cada segundo do meu dia, vivo por Ela dia-a-dia, o amor Dela é o que me guia. Sigo aquela estrela que agora é Ela, aquela que me ensina a escrever poesia, para que eu sempre me lembre de que meu amor Ela sempre ilumina!

Março, 2014.

BY Claudia Guedes
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Eu nasci dia 26, ela dia 25. Meses diferentes de um calendário sem tempo. Dias misturados na essência do impossível. Ela no Norte, eu no Sul.
BY Claudia Guedes
Na manhã de quinta-feira passada encontrei um amigo no caminho para o trabalho.
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